Um estudo português confirma que há uma relação entre a utilização de smartphones e alguns sintomas das psicopatologias mais comuns. O trabalho foi proposto por Soraia Gonçalves, uma estudante de Psicologia da Universidade Católica de Braga, tendo envolvido mais de 500 jovens da zona norte do país. O objetivo era “perceber se os jovens são nomofóbicos e qual o impacto que tem nas diversas áreas da vida (pessoal, familiar, social, escolar e saúde), e se o estilo de vida tem influência no tempo de uso do smartphone“.
Os resultados preliminares já foram apresentados na conferência internacional de dependências comportamentais, em Yokohama. O professor da Universidade Católica que coordenou o estudo, Paulo Dias, faz o resumo: “O estudo mostra que não há relação entre o estilo de vida e a nomofobia; isto é, o uso do telemóvel é aproximadamente igual entre jovens com mais ou menos cuidados com a alimentação, consumo de substâncias, exercício físico ou outras dimensões avaliadas.” Mas há uma relação com patologias: “Este uso excessivo aparece relacionado com sintomas psicopatológicos. Isto é, quem utiliza mais excessivamente o telemóvel apresenta mais ansiedade, hostilidade, depressão, etc. Entre estes sintomas, destaca-se a sensibilidade interpessoal (sentimentos que a pessoa experiencia no contexto das relações interpessoais, como o sentimento de inferioridade, inadequação, desconforto e autodepreciação).”
A amostra do estudo foi constituída por participantes entre os 18 e os 24 anos, que tinham um período médio de utilização diário de cinco a sete horas (37,4%), entre um a três horas (28,5%) e 28,5% acima de sete horas. E foi o suficiente para relacionar a inadequação pessoal e a sensação de inferioridade social com a nomofobia.
Uma explicação e um conceito
Mas o que é então a nomofobia? A explicação vem de Ana Paula Correia, professora universitária nos Estados Unidos e que se tem dedicado desde há vários anos a investigar esta matéria – é “o medo de ficar sem telemóvel que pode conduzir a crises agudas de ansiedade. Claro que esta é uma situação extrema que afeta apenas uma pequena parte dos utilizadores de smartphones“. Mas há dados que apontam para alterações de comportamentos que tornam relevante manter o foco da investigação académica nesta área.
Ana Paula Correia começou em 2015 a trabalhar o conceito de nomofobia, num estudo que decorreu na Universidade do Iowa. A partir daí desenvolveu um questionário com vinte perguntas, que tem sido adotado em diversos estudos em várias partes do mundo. Hoje, está na Universidade stadual do Ohio, onde é diretora do Centro para a Educação e Formação par a Empregabilidade, continuando a estudar o tema. E é ela quem fornece uma descrição da nomofobia: “É o medo de estar distante do smartphone, que se pode traduzir em ansiedade. Há uma explicação para isto, que tem um acrónimo em inglês (FOMO – fear of missing out), que leva as pessoas a pensar que se não estiverem permanentemente conectadas estão a perder coisas importantes.”
A escala tem sido usada em várias línguas: espanhol, turco, chinês, italiano, bahasa, persa, etc., motivando uma série de estudos diferentes, tal como este agora feito no norte de Portugal. E isso aconteceu porque no decurso da sua investigação Soraia Gonçalves encontrou o questionário da nomofobia desenvolvido por Ana Paula Correia – o que levou a uma participação na coordenação deste trabalho.
A utilização dos aparelhos digitais por parte das crianças e jovens configura uma preocupação crescente. Como em tempos ocorreu com a televisão, smartphones, tablets e computadores são agora usados como meio de entretenimento para um número crescente de crianças e jovens. Esta situação tem aumentado de intensidade na última década, desde que os smartphones começaram a inundar o mercado. A partir dos dados recolhidos em estudos sobre o comportamento dos adolescentes americanos, a revista The Atlantic estabeleceu uma relação direta entre o uso generalizado do smartphone e alguns comportamentos: o aumento de tendências depressivas, a redução de homicídios e o aumento de suicídios entre adolescentes. Ao mesmo tempo, uma alteração significativa nos padrões de sono.
Ana Paula Correia é cautelosa em relação a generalizações e por isso não quer tirar conclusões abrangentes, mas assume que parece óbvio que “está a mudar os comportamentos desta geração”. Uma questão mais polémica prende-se com o facto de saber se existe verdadeiramente a opção de não usar o smartphone, tendo em conta que o aparelho foi criado com o propósito específico de provocar dependências. Sobre isto a professora diz que acredita “sempre na capacidade de escolha de cada cidadão”, apesar de apontar a falta de regulamentação e a ausência de sensibilidade dos pais para as consequências a longo prazo – que ainda não foram suficientemente estudados.
No limite, a responsabilidade desse controlo será da comunidade, entendida no seu sentido mais lato. E para isso são precisos estudos como estes, feitos por investigadores ligados à academia.
Soraia Gonçalves tenciona continuar a trabalhar nesta área, alargando a área geográfica, “para perceber se existem diferenças entre norte/sul e litoral/interior principalmente nos seguintes aspetos: se existe nomofobia; o número de horas que os indivíduos passam por dia ao smartphone e as consequências que isso possa acarretar”.
Ana Paula Correia pretende continuar a trabalhar com jovens investigadores e, um dia, criar “um estudo de larga escala com investigadores do mundo inteiro – mas sempre ligando a nomofobia a outros fenómenos, como a depressão, estilos de vida e escalas de felicidade”.